Sócrates - excerto do livro

– Posso…?
– Entra, Duarte. Ainda não te foste deitar? – perguntou a mãe, com um sorriso. – O que é que inventaste hoje para ficar acordado até mais tarde…?
– Vá, não gozes, mãe. Não estavas a escrever uma peça de teatro? – quis saber Duarte, enquanto inspeccionava uma série de livros de filosofia que se encontravam abertos em cima da mesa. – Para que é isto tudo?
– A peça que estou a escrever é sobre um filósofo, Sócrates.
– É muito antigo, não é?
– Muito, é do século V antes de Cristo – informou a mãe, rindo-se. – Já te falei dele. Não te lembras de termos conversado acerca de um método de fazer com que a pessoa chegasse a uma conclusão diferente, da que tinha, através de uma série de perguntas?
– Sim, lembro-me. Foi ele que inventou isso, então?
– Foi.
– Deve ser giro, fazer uma peça de teatro sobre um filósofo…
– Sim, é um desafio que dá vontade de abraçar!
– Mas espera! Sócrates era aquele filósofo que não escrevia nada, não era?
– Boa, Duarte! Não te esqueceste! Sim. Ele é a personagem mais enigmática da história da Filosofia, e essa é uma das razões. Sócrates não deixou os seus pensamentos por escrito. Dizia que não serviam de nada, que seriam como uma pintura: representavam pessoas reais a falar, mas repetiam sempre a mesma coisa, tal como um quadro mostra sempre as mesmas personagens.
– Mas os outros filósofos escreviam coisas…
– Sócrates achava que os diálogos que travava com as pessoas tinham que ver com o momento, a circunstância, a oportunidade. Não fazia sentido deixá-los para a posteridade.
– Porque quem os ia ler era diferente, a situação diferente, essas coisas?
– Isso mesmo.
– Faz sentido – concluiu Duarte, pensativo. – Mas porque é que tiveste a ideia de fazer uma peça de teatro?
– A ideia não foi minha, veio dos professores de Filosofia lá da escola. Querem ajudar os miúdos a perceber a forma de pensar de Sócrates.
– Pois, não te podes queixar, dá jeito ter uma colega que é escritora… – afirmou Duarte, abraçando a mãe. – És a minha escritora preferida!
Quando Filomena quis retribuir o carinho ao filho mais velho, Duarte soltou-se com um ar brincalhão.
– Não abuses, mãe! Foi só um abraço…
A mãe não refilou. Fez sinal ao filho para que se sentasse ao seu lado.
– Tu não me enganas, Duarte, estás aí com qualquer coisa entalada…
– Foi aquilo que aconteceu ao Zé Pedro.

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